Crônicas do armário trancado- capítulo VI

Nora olha pela pequena janela do avião. Uma paisagem belíssima emoldurada pelo pôr-do-sol. Pensa no Brasil. Quem diria que um dia estaria em outro país. Em outro lugar tão distante.... O que será que a espera?

Cumpriu uma ordem sem nada discutir ou questionar. E agora ... não sabe mais se tomou a decisão certa.

Não sente mais que tenha condições de voltar atrás. Não tem jeito mais de voltar a ser o que era. Nora ficou para trás. Nora morreu. Mas quem está ali? Quem?

Olha o passaporte e olha a foto daquela mulher desconhecida com nome fictício. Nova vida, novo nome e uma vida vazia e em branco por escrever.

Medo... dúvidas e muita... muita ansiedade. Cansada ela acaba adormecendo. No meio do sono houve uma explosão e sente seu corpo ser sacudido violentamente!

Naquele dia a notícia do desastre de um avião com destino à Turquia enche as páginas dos jornais. Poucos sobreviventes. Uma tragédia.. No meio dos escombros entre os sobreviventes uma jovem senhora está em estado gravíssimo. Na bolsa os documentos a identificam Maria Beatriz Veiga.

CRÔNICAS DO ARMÁRIO TRANCADO- capítulo V


A viagem de avião é cansativa e Nora demora muito tempo para conciliar o sono. Não sabe quanto tempo levou tentando encontrar uma posição confortável na poltrona para tentar organizar um pouco os pensamentos. Acabou dormindo e sonhou.

No sonho ela e Joaquim caminhavam juntos de mãos dadas numa área belíssima. Parece um jardim com árvores frondosas e muito altas. Eles brincam despreocupados como se conhecessem muito bem tudo ali. Com o tempo a claridade vai tornando-se cada vez mais difusa anunciado a noite que chega. Nora puxa Joaquim pela mão e tenta convencê-lo a ir embora. Finalmente consegue e os dois saem andando. É como num filme. Ela vê os dois caminhando e teme que não saibam ir pra casa. Vê que a menina fica nervosa. Olha bem dentro dos seus olhos infantis. Não consegue reconhecer a si mesma. Seria mesmo ela? Tem a certeza que o menino é Joaquim, seu irmão. Mas olhando aquela linda menina tão risonha e feliz não consegue ter a certeza de que se trata dela mesma. Não consegue acreditar!

Onde ficou aquela alegria? Em que momento ela deixou de ser..

Um leve puxão acorda Nora. A aeromoça avisa que deve apertar seu cinto pois o avião irá aterrisar em segundos.

CRÔNICAS DO ARMÁRIO TRANCADO- capítulo IV

No dia seguinte Joaquim saiu para a pesca como fazia diariamente. Clara tinha razão.Ele já nem lembrava direito do sonho. Tudo era coisa da cabeça dele. Com certeza Nora estava bem e logo estaria em casa. Com uma boa explicação para tudo aquilo.

Na embarcação Joaquim e os companheiros aprontaram as redes para jogar ao mar. O sol sob a água azul do mar traz a ele recordações da infância.

Numa época muito distante quando os dois ficavam na beira da praia esperando a hora de ver os barcos voltarem da pesca. Naquele momento era possível sentir o cheiro fresco dos peixes pulando uns sob os outros tentando libertarem-se da rede. Ao entardecer quando o sol se punha a praia ganhava uma coloração especial. Não era mais de dia e no entanto não havia ainda a sombra noturna. Ali descalços correndo de um lado para o outro tentando impedir que os peixes fugissem da rede e caíssem na areia Joaquim e Nora brincavam. Inseparáveis desde pequenos. Onde um estava o outro podia ser encontrado.
Nora era mais velha mas sempre fazia de conta que era ele quem decidia o que fazer. Joaquim relembra e pensa como era bom sentir que podia decidir o que bem quisesse. Nora fazia de conta que ele estava certo e que ela obedecia cegamente. Joaquim sorri tristemente. O tempo passou e eles se tornaram adultos. Nora tornou-se uma pessoa calada e reservada. Nunca mais Joaquim viu um sorriso em seu rosto. Nunca conseguiu entender o que aconteceu com Nora. E agora com o seu desaparecimento ele tem a certeza de que algo está errado. Muito errado.

CRÔNICAS DO ARMÁRIO TRANCADO- capítulo III
















A família de Nora está desesperada e decide arrombar o armário trancado afim de obter alguma pista.No início tinham a esperança do retorno dela. Mas isso passou com o decorrer da semana. E nada! Absolutamente nada.
-Se pelo menos nossa mãe fosse viva... saberia o que fazer.
O irmão mais novo de Nora, Joaquim, é quem decide arrombar o armário.
Tentando não danificar tanto o móvel antigo, herança da avó, o pesado guarda-roupa colonial de madeira escura teve sua fechadura dilacerada.
Joaquim ficou surpreso... as roupas, as jaquetas e sandálias tudo estava lá. A suspeita de uma possível fuga tinha ido por água abaixo.
Ela não iria viajar para outro lugar sem uma peça de roupa sequer. Nora era muito recatada e reservada e com certeza não iria sair sem suas roupas. Algumas eram da falecida mãe e Nora havia insistido em ficar com elas.Joaquim olha desesperado para as roupas. Decidi vasculhar as gavetas. Nada de mais. Na gaveta com retratos da família ... um pedaço de papel chama a sua atenção....Pega o papel e o examina atentamente.Joaquim saí de dentro do quarto bastante desanimado segurando o papel na mão.
A esposa dele fica apreensiva.
-E então Joaquim? Nada?
-Nada... eu só achei isso.
Estende o papel para Clara.
-Mas... é um mapa recortado ... talvez de um livro ou atlas.
-Só achei isso....será que significa alguma coisa?
-Sua irmã só se interessava por religião. O que um mapa da... Grécia,Turquia e Egito estaria fazendo na gaveta?
À noite Joaquim tem um sonho. Vê uma mulher olhando para o infinito como se estivesse perdida.
-Nora... é você?
Ele continua a chamar pelo nome da irmã. E acaba acordado pela esposa que se apavora com ele gritando enquanto dorme.
-O que foi.. Joaquim?
Ele respira ofegante ... todo suado...não consegue lembrar o que aconteceu.
-Foi só um pesadelo. Vai dormir Joaquim, diz Clara preocupada.

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